O trunfo da hemodiálise

Dizem que prevenir é melhor do que remediar, e é verdade. Em geral, a prevenção de qualquer tipo de transtorno é sempre mais fácil, viável e barato do que remediar a situação depois que o transtorno acontece. Seja a prevenção do desmoronamento de um prédio através da construção cuidadosa e com materiais de qualidade, seja no simples ato de estudar antes de fazer uma prova, seja ter uma alimentação mais regrada a fim de evitar doenças como o diabetes e a hipertensão. Nesses casos todos – e em qualquer outro onde haja possibilidade de evitar problemas, o remédio é sempre caro e desgastante, já que envolve investimento de dinheiro e também de muito, muito tempo. Por falar nessas doenças (diabetes e hipertensão), mesmo após a manifestação das mesmas, ainda é possível evitar mais problemas futuros. Quais? Bom, tanto uma quanto a outra, se descontroladas, podem prejudicar rapidamente órgãos vitais como rins, coração, cérebro e também as córneas. Se antes era interessante cuidar da alimentação para prevenir o aparecimento dessas doenças, depois que elas se instalam não há mais forma de “fugir”: ou cuida, ou perde. E se perder… aiaiai…

Vamos a um exemplo mais prático, para entendermos melhor. Os rins são órgãos extremamente importantes para a manutenção da saúde. São eles que eliminam as toxinas presentes no sangue (que por sua vez as retirou dos outros órgãos do corpo) e também o excesso de sódio e de água. Esse trabalho é realizado em estruturas muito pequenas chamadas ‘glomérulos’, pequenos emaranhados cuja função é literalmente filtrar o sangue que chega ali através de veias e capilares. Essa filtragem acontece por osmose, ou seja, os elementos em grande concentração passam do sangue para dentro dos glomérulos, junto com o excesso de água. Quando essa função falha, o corpo começa a se intoxicar e falhar.

Perdeu, playboy

O grande problema da hipertensão e do diabetes é que eles comprometem os rins com muita facilidade e trazem esse problema para o cotidiano do paciente. Como esse dano aos rins é progressivo e irreversível, logo chega o tempo em que a hemodiálise é necessária. E assim, através do sistema de filtragem dos aparelhos, as membranas de osmose em seu interior fazem o trabalho que os glomérulos dos rins já não conseguem mais fazer.

Inicialmente parece uma boa alternativa: “já que os rins não cumprem mais o seu papel, vou ali na máquina e pronto: assunto resolvido. Não é?”. Não é bem assim. Quando os rins estão funcionando adequadamente, eles permanecem em constante trabalho de filtragem, não importa se estamos fazendo rafting no Grand Canion ou dormindo sossegados numa pousada rural. O trabalho com eles não para! Mas o dos aparelhos de hemodiálise sim. Como a passagem do sangue pelos inúmeros tubos e sistemas acaba por destruir muitas células, cada sessão tem um tempo limite para durar, a fim de evitar a destruição de mais células ainda.

Mas não para por aí: os rins também retiram o excesso de água do organismo, lembra? Se a sessão de hemodiálise só acontece por algumas horas e em intervalos regulares de dias, o que acontece com o excesso de água que fica circulando no corpo do paciente? Continua exatamente onde está: circulando pelo corpo do paciente. Isso significa que ele tem uma quantidade limite de água para ingerir ao longo de cada dia, não podendo ultrapassar essa quantidade de jeito nenhum, nem se sentir sede. Tenso, não é?

A maravilha da máquina

Mas se a hemodiálise é necessária, então vamos a ela! Aliás, sabe como ela funciona? Por um braço, é colocado um acesso venoso por onde o sangue sai e é encaminhado até a máquina. Lá dentro, ela passa por um sistema de filtros dividido em duas câmaras: uma por onde esse sangue passa e outra cheia de água hiperpurificada. As duas câmaras são separadas apenas por uma membrana semi-permeável, ou seja, uma membrana de osmose que permite que algumas coisas passem de um lado para o outro, mas impede o caminho contrário. Quando há sangue de um lado e água purificada do outro, as impurezas do sangue passam, por osmose, do sangue para a água (a tendência é dos elementos passarem do ambiente mais saturado deles para o ambiente menos saturado, e isso acontece naturalmente por processos químicos). A água não passa para a câmara do sangue porque a membrana não permite. O excesso de água também é removido nesse processo, deixando o sangue na densidade correta (um pouco mais “grosso”, já que está menos diluído). Sangue limpo, volta pro organismo através de outro tubo de acesso venoso, ligado ao outro braço.

“Mas por que uma máquina tão genial destrói as células do sangue?” No corpo humano, o sangue é bombeado pelo coração, através de veias e artérias sem “quinas” e num movimento fluido. Já a máquina de hemodiálise faz o bombeamento com um pouco mais de pressão, já que o sangue tem um caminho longo a percorrer do corpo, pelos tubos, até os sistemas de filtragem. Além disso, existem as conexões das peças, que invariavelmente terão encaixes gerando algumas quinas lá dentro. No impacto com essas quinas, algumas células acabam se partindo. São poucas, mas essa destruição continua enquanto durar a sessão. E como não adianta ter um sangue limpinho mas repleto de células estruturalmente danificadas, para-se o processo no tempo limite.

Ainda que a medicina tenha criado formas de prolongar a vida de um paciente de doença crônica, nem sempre é uma forma confortável e prática. Portanto, cuide-se para que nunca precise usar recursos assim, podendo contar sempre com seu corpo.